No centro da Praça da República, comumente chamada Campo de Santana, ergue-se o monumento a Benjamin Constant. A obra foi doada em 1926 à cidade do Rio de Janeiro pelos positivistas que, desde o falecimento do “Fundador da República” brasileira, em 1891, militavam pela consagração de sua memória na história nacional. Trata-se de um dos três monumentos oferecidos à antiga capital do país por iniciativa da Igreja Positivista do Brasil – os dois outros são o monumento ao Marechal Floriano Peixoto na Cinelândia e a estátua de São Francisco de Assis na Praça do Russel.
O monumento ficava originalmente há poucos metros de sua localização atual, no quadrilátero onde foi proclamada a República, em frente ao então Quartel General do Exército. Por detrás da homenagem cívica, cada elemento de sua rica iconografia traz referências ao catecismo positivista professado na Religião da Humanidade.
A composição foi idealizada por Raimundo Teixeira Mendes, vice-diretor da Igreja Positivista do Brasil, e executada com o concurso de artistas diversos, entre os quais Décio Villares, autor das estátuas, e Eduardo de Sá, que realizou os baixos-relevos e os medalhões. Sua frente ficava voltada para a Candelária, em direção à cidade de Paris. A inauguração aconteceu na data de 14 de julho, dia da queda da Bastilha e mais importante data cívica do calendário francês, com a presença de Teixeira Mendes e do jovem Paulo Carneiro. A obra foi deslocada para a Praça da República em 1945 para dar lugar ao Pantheon de Caxias.
Clóvis Nery e Christiane Souza, da Delegação da IPB, prestam homenagem a Benjamin Constant no feriado de 15 de novembro
Simbologia positivista
Através de seus elementos alegóricos, o monumento ressalta a influência da doutrina positivista sobre a trajetória política de Benjamin Constant. Trata-se de um fascinante registro da disputa simbólica que travaram entre si os movimentos republicanos ao longo da República Velha, de modo a afirmar suas narrativas nas comemorações cívicas e nas obras públicas que decoraram a capital do recém-instaurado regime.
A obra em questão é, na verdade, uma homenagem a esposa de Benjamin Constant, como confirmam os dizeres do pedestal: “À memória de Maria Joaquina da Costa Botelho de Magalhães e a de seu eterno esposo Benjamin Constant Botelho de Magalhaes, fundador da República Brasileira”. A doutrina religiosa positivista atribui papel fundamental à mulher, geradora e educadora da Humanidade. Os personagens femininos estão presentes em vários detalhes do conjunto.
No topo, a Humanidade é representada por uma mulher com uma criança nos braços, de pé sobre o globo terrestre. O modelo em gesso que serviu para executar a estátua se encontra no Templo da Humanidade. Diversas máximas positivistas decoram o globo terrestre, sustentado pela catedral de Notre-Dame, o Panthéon e a torre da Bastilha, edificações situadas em Paris, berço da religião da Humanidade.
À frente do monumento, a estátua de Maria Joaquina, embora em segundo plano, domina a de seu esposo. Ela carrega em seus braços abertos a bandeira da República bordada pela filha do casal. Acima do conjunto, lê-se a frase: “A Religião da Humanidade é a minha religião”, escrita por Benjamin Constant em carta de 05 de Junho de 1866. O medalhão acima do casal celebra a influência de outras mulheres sobre homens eminentes: Clotilde de Vaux e Beatriz Portinari, musas inspiradoras de Auguste Comte e Dante Alighieri, respectivamente.
As demais faces do monumento relatam episódios da vida do ex-ministro da Guerra e da Instrução Pública do Governo Provisório. Ao contorná-lo em sentido horário, vê-se em primeiro lugar a parte dedicada à Proclamação da República, instaurada sob a influência da Religião da Humanidade (“A República não pode encontrar melhores luzes do que na religião que se resume na fórmula: o amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim”). No baixo-relevo, três momentos deste acontecimento histórico: Benjamin Constant despedindo-se da mulher para “cumprir o seu dever”; o ato da Proclamação da República; e a sessão de 09 de dezembro de 1889 que promulgou a separação da Igreja e do Estado. No medalhão estão representados a Imperatriz Leopoldina e José Bonifácio, sob os dizeres “A sã política é filha da razão e da moral”.
Na face seguinte, sob a frase “A Humanidade vale mais do que a pátria, e a pátria mais que a família”, celebra-se a fraternidade universal entre os povos. O medalhão com Isabel de Castela e Cristóvão Colombo remete aos povos americanos. A fraternidade americana era tema recorrente da Igreja Positivista do Brasil, que apoiara o projeto de cancelamento da dívida e de restituição dos troféus de guerra ao Paraguai, defendido por Benjamin Constant. Os bronzes utilizados no monumento foram fundidos a partir de canhões brasileiros e paraguaios para simbolizar a amizade americana. Os baixos-relevos ilustram a Abolição da Escravidão; a sessão de 9 de novembro 1889 no Clube Militar, que decidiria da derrubada do Império; e o encontro entre Benjamin Constant e Deodoro que definiu os rumos do movimento republicano.
A quarta face consagra a glorificação cívica de Benjamin Constant, decretada pelo Governo provisório desde fevereiro de 1891, conforme moção transcrita no alto (“O povo brazileiro pelos seus representantes no congresso constituinte se desvanece de lhe ser facultada a glória de apresentar este bello modelo de virtudes aos seus futuros presidentes”). No medalhão, os inconfidentes Bárbara Heliodora Alvarenga e Tiradentes inscrevem simbolicamente a figura de Benjamin Constant em uma tradição histórica. Os baixos-relevos associam nitidamente seu exemplo cívico a sua conversão à Religião da Humanidade. Nesta série, percebe-se o estandarte da Humanidade erguido no funeral de Benjamin Constant e a imagem de Auguste Comte, acima de seu leito de morte.
Saiba mais:
As histórias dos monumentos do Rio, blog de Vera Dias
Os Filósofos em tintas e bronze: arte, positivismo e política na obra de Décio Villares e Eduardo de Sá, Elisabete Leal, tese de doutorado
De pedra e bronze: um estudo sobre monumentos. O monumento a Benjamin Constant, Valéria Salgueiro, EDUFF, 2008